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terça-feira, 27 de novembro de 2012

Controvérsias sobre a “sustentabilidade” da agricultura em Guaraqueçaba

Breve Histórico

     No final do século XX, dada as dificuldades de manutenção de práticas agrícolas, a extração de palmito se consolida como a mais importante atividade econômica dos moradores rurais de Guaraqueçaba. Se constituiu na principal fonte de renda entre muitas famílias das comunidades agrícolas. Ainda que esta informação não possa ser confirmada, acredita-se que até o final dos anos 90 cerca de 80% das atividades econômicas de Guaraqueçaba ainda giravam em torno da extração (legal e ilegal) do palmito e da industrialização deste produto (Rodrigues e Tommasino, 2000).

     Para a viabilidade econômica e social da agricultura no município, terá que haver uma política efetiva que proporcione condições para os pequenos agricultores familiares assegurarem meios de reprodução socioeconômica. Além disso, seriam necessárias maiores pesquisas quanto ao aspecto agronômico dos solos da região, estes notoriamente não adequados a grandes plantações de grãos, por exemplo, mas nem por isso inadequado a outras formas de agricultura. Com as constantes enchentes o solo é empobrecido já que o  húmus   é levado pelas águas. Numa região chuvosa como essa um  sistema de drenagem é de extrema necessidade.

     Ao lado disso, não se pode deixar de lembrar que a pequena agricultura familiar no município tem de fato na produção de subsistência um dos seus pontos fortes, não por ser intrinsecamente avessa às culturas de mercado, mas sim por ter dificuldades de acesso a esse mercado, seja por insuficiência de recursos - meios de produção e financiamento das atividades produtivas, conhecimentos técnicos ou terras suficientes e adequadas para desenvolver as culturas comerciais, seja por falta de meios de comercialização, como escoamento e acesso a preços compensatórios.

     Medidas impostas pela legislação ambiental, que prevalecem nas áreas de proteção ambiental (UCs) tiveram como alvo o controle das condições de ocupação do solo e do uso dos recursos naturais. Com isso, as restrições ao uso do solo, aliadas às poucas  políticas de incentivo à produção agrícola, acabaram desmotivando as práticas agrícolas de grande número de pequenos agricultores familiares de Guaraqueçaba.

     Desde os anos 60, os programas de incentivos fiscais, particularmente o FISET - Fundos de Investimento Setoriais (1974) atraíram para Guaraqueçaba os “neolatifundiários”, que chegaram a se apropriar de 80% do território da região e utilizavam os recursos captados nos programas federais para outros fins (MIGUEL, 1997).

     Na planície, nas encostas de menor altitude e nos terraços e vales aluviais, os novos latifúndios desenvolviam principalmente a bubalinocultura. Nas encostas médias e mais elevadas, realizavam o extrativismo, principalmente a exploração de madeira na forma de “exploração seletiva” ou de “corte raso de vegetação”, de forma “[...] ilegal, corriqueiro e predatório” (PARANÁ. SEPL, 1987, p. 4).

     Nesse período iniciou-se a construção de estradas para dar acesso ao município de Guaraqueçaba. Em 1970 a PR 405 foi inaugurada. Os 80 km que ligaram Guaraqueçaba a Antonina foram construídos a partir da “pressão” dos neolatifundiários que contavam com a abertura de estradas para escoamento da produção e acesso às suas propriedades. A estrada mais esperada era a BR 101 que atravessaria o litoral e ligaria Guaraqueçaba a São Paulo (DOMINGUES, TEIXEIRA, 2002).

     Juntamente com o esgotamento dos recursos pesqueiros, essa conjuntura acelerou a delimitação de UC então reivindicadas por ambientalistas paulistas e técnicos da SEMA federal que idealizaram a proteção do Lagamar, complexo estuarino-lagunar que se estenderia de Iguape, no litoral paulista, até Paranaguá, no litoral paranaense. Concomitantemente, o estado do Paraná se volta para a regularização fundiária e para a proteção ambiental do litoral, incrementando as ações do órgão responsável pelo meio ambiente naquela região.

    Apesar da preocupação com a agricultura familiar no estado, o município de Guaraqueçaba, sem grande importância econômica e política para o estado na década de 80, recebeu insuficientes e inadequadas iniciativas de programas de desenvolvimento para a pequena agricultura, cuja principal produção era a banana, mandioca e feijão (MIGUEL,1997; ROCHA, 2004).

     Em 1980 foi instalado o escritório do Instituto de Terras e Cartografia em Guaraqueçaba (ITC), órgão com atribuições ambientais do estado, é o que se pode referir ao início da proteção ambiental. Órgão originariamente voltado à regulamentação da ocupação de terras no estado, o ITC acrescentou em suas atribuições o controle exploração dos recursos naturais, principalmente os recursos florestais. Em 1985 se torna o Instituto de Terras, Cartografia e Floresta (ITCF) (IAP, 2002).

     Paralelamente, as primeiras ações de controle do ITC/ITCF, a SEMA procurava, a partir de 1982, realizar as ações necessárias (formação de grupo interinstitucional, zoneamento, construção da sede...) para a implantação de suas UC: A Estação Ecológica de Guaraqueçaba, criada em 1982 e a APA de Guaraqueçaba, criada em 1985.

      Enquanto as modificações ocorriam no estado, Guaraqueçaba mantinha seus problemas relacionados ao desenvolvimento socioeconômico. Os raros programas voltados à pequena agricultura nos anos 90 praticamente não alcançaram Guaraqueçaba. Ainda que o município tenha recebido o ICMS ecológico, isto não se reverteu em melhorias econômicas e sociais significativas, ou por incapacidade gerencial dos administradores municipais, ou por serem destinados a estratégias “desfocadas” das reais necessidades da sociedade local (KARAM, TOLEDO, 1996; MIGUEL, 1997; ROCHA, 2004). Manteve-se a desigualdade estrutural da sociedade rural local.

       A partir de 1989, estudos e diagnósticos sobre a agricultura em Guaraqueçaba mostram que a grande maioria dos agricultores estava composta de pequenos agricultores que viviam em condições precárias e apresentavam sérias dificuldades de reprodução do sistema produtivo e do sistema familiar (RODRIGUES, 2002, p. 65).

Um desenvolvimento sustentável para Guaraqueçaba: o resgate agrícola

     As atividades agrícolas em Guaraqueçaba foram, nos últimos anos, condenadas ao fracasso, alguns pesquisadores têm desconsiderado a trajetória histórica da sociedade regional, além de subestimarem a produtividade de suas principais lavouras e de desconsiderarem a importância das lavouras de subsistência.  Os poucos resultados positivos em termos de melhoria de renda e qualidade de vida são restritos a um número pequeno de agricultores.

      Contudo a situação da agricultura em Guaraqueçaba não é de todo desconhecida pelos agentes que atuam no município. Por exemplo, no relatório do Zoneamento da APA de Guaraqueçaba, realizado pelo IPARDES em 1996 e publicado em 2001, por exemplo, sugeriu  que se deveria desenvolver na região pesquisas agrícolas dirigidas à definição de padrões tecnológicos adequados, aceitáveis e normatizáveis, levando-se em conta as condições ambientais e as possibilidades socioeconômicas e culturais da população tradicional. Nas recomendações desse zoneamento para o incentivo a uma agricultura sustentável na região estão os seguintes itens:

1- diversificação da produção agrícola;

2- cultivos agrícolas que tenham vantagens competitivas levando-se em conta as potencialidades da região na produção agrícola de orgânicos, por exemplo;

3- fomento à produção agrícola dos pequenos agricultores familiares com o
incentivo à renovação do estoque de sementes e mudas, principalmente de culturas comerciais como a banana;

4 - utilização de máquinas para as limpezas e práticas conservacionistas do solo;

5- incentivo às agroindústrias, a fim de agregar valor aos produtos;

6- adequar a produção da pecuária às especificidades da região, para evitar efeitos desastrosos ao solo, como aconteceu na prática da bubalinocultura;

7 - disponibilizar técnicos rurais com perfil adequado, para trabalhar na região;

8- estabelecer monitoramento das atividades a fim de manter a qualidade das águas;

9 - desautorizar projetos nas várzeas de rios denominados de “classe especial”;

10 - promover infra-estrutura para a comercialização da produção local.

Apesar dessas recomendações datarem da segunda metade da década de 1990, na prática o que se nota, é a falta quase completa de iniciativas técnicas que visem a melhores práticas agrícolas. Do ano 2000 para cá, qual evolução teve a agricultura em Guaraqueçaba? Nenhuma. Então se pode diagnosticar que situação econômica da comunidade local se agravou após as restrições impostas pelos novos tempos. A presença das ONGs, dos órgãos estaduais e federais oprimem os nativos que diante de tantos obstáculos que o cercam se veem completamente desmotivados.  Mas como contornar este grave dilema: a sobrevivência das famílias e preservação do seu habitat.

Agroecologia: um caminho 

      A agroecologia consiste em uma proposta alternativa de agricultura familiar socialmente justa, economicamente viável e ecologicamente sustentável. O termo pode ser entendido de diversas formas: como ciência, como movimento e como prática. Nesse sentido, a agroecologia não existe isoladamente, mas é uma ciência integradora que agrega conhecimentos de outras ciências, além de agregar também saberes populares e tradicionais provenientes das experiências de agricultores familiares de comunidades indígenas e camponesas. 

     A abordagem agroecológica propõe mudanças profundas nos sistemas e nas formas de produção. Na base dessa mudança está a filosofia de se produzir de acordo com as leis e as dinâmicas que regem os ecossistemas – uma produção com e não contra a natureza. Propõe, portanto, novas formas de apropriação dos recursos naturais que devem se materializar em estratégias e tecnologias condizentes com a preservação.

     As práticas agroecológicas podem ser vistas como práticas de resistência da agricultura familiar, perante o processo de exclusão no meio rural e de homogeneização das paisagens de cultivo. Essas práticas se baseiam na pequena propriedade, na força de trabalho familiar, em sistemas produtivos complexos e diversos, adaptados às condições locais e ligados a redes regionais de produção e distribuição de alimentos.

   De acordo com Ivani Guterres, vivemos uma crise conjuntural no atual sistema de desenvolvimento capitalista. Essa crise teria sido causada em muito pelo modelo de exploração natural e social do agronegócio, ao impulsionar a mercantilização da terra, as privatizações e a precarização das condições de trabalho no campo. Para a pesquisadora, o resgate de saberes tradicionais e os avanços nos estudos científicos na área da agricultura ecológica alternativa são fundamentais para a construção de modelos de desenvolvimento mais sustentáveis:

"A crise que vivemos é uma crise civilizatória e ambiental. O mundo todo está perguntando: onde está o 'novo', que contenha um conjunto de valores, um novo pensamento, um conhecimento que parece estar longe de nossas comunidades e assentamentos? Uma outra forma de agir, produzir, viver, e não este do pensamento cartesiano, mecanicista, do individualismo tecnológico (a parte explica o todo), da consciência tecnocrática que nos levou à privatização, à mercantilização e ao cientificismo? Com isso, queremos debater e questionar: onde está o 'novo'? Que valores a agricultura camponesa tem? De onde está se buscando elementos para a construção de uma estratégia de desenvolvimento humano e sustentável? Urge o resgate de identidades locais, tradicionais e culturais de saberes populares (identidade de classe), para que possamos construir um desenvolvimento rural sustentável, contrapondo o avanço convencional 'modernizador' que se impõe e coloca em risco o futuro do meio ambiente e da população brasileira."

      Diversas redes, organizações não-governamentais e movimentos espalhados pelo Brasil atuam no sentido de articular, organizar e formar agricultores familiares em relação aos saberes e fazeres da agroecologia. Estes espaços de articulação com a comunidade atuam de diversas formas: promovem oficinas de formação e prática agroecológica, bem como intercâmbios entre as comunidades, pesquisam aspectos geográficos, físicos e sociais das propriedades rurais, criam bancos de sementes nativas e crioulas e buscam com as experiências realizadas nas comunidades trabalhar com processos autogestionáveis.

   Mas por quê a região de Guaraqueçaba não tem sido premiada com projetos agroecológicos que levem até as famílias guaraqueçabanas a esperança de novamente produzirem, ainda que seja para a sua subsistência? Porque não interessa às ONGs que lucram com as árvores, que representam créditos de carbono nas bolsas para empresas multinacionais por elas representadas no Brasil. É o interesse do capital estrangeiro fazendo vítimas também em Guaraqueçaba. Quanto mais desmotivado o caiçara, mais fácil será comprar as suas terras e criar novas RPPNs. O Estado não tem procurado solucionar o problema e  Guaraqueçaba paga um alto preço.

     Segundo o IPARDES (2001,p 102),“[...] a agricultura na APA de Guaraqueçaba não tem se mostrado uma atividade promotora de desenvolvimento para a região e que, por outro lado, a agricultura familiar deve ser entendida como atividade suporte para outras ocupações e de sustentação de parte significativa da população local [...]”

    Mesmo que não se possa apontar unicamente as restrições ambientais, como fator principal pelas dificuldades enfrentadas pelos agricultores familiares do município este foi um forte empecilho para a manutenção das práticas agrícolas até então praticadas.

Vanderlei Xavier 
Tecnólogo em Gestão Ambiental da ONG Eco-Visão