No final do
século XX, dada as dificuldades de manutenção de práticas agrícolas, a extração
de palmito se consolida como a mais importante atividade econômica dos
moradores rurais de Guaraqueçaba. Se constituiu na principal fonte de renda
entre muitas famílias das comunidades agrícolas. Ainda que esta informação não
possa ser confirmada, acredita-se que até o final dos anos 90 cerca de 80% das
atividades econômicas de Guaraqueçaba ainda giravam em torno da extração (legal
e ilegal) do palmito e da industrialização deste produto (Rodrigues e
Tommasino, 2000).
Para a viabilidade econômica e social da
agricultura no município, terá que haver uma política efetiva que proporcione
condições para os pequenos agricultores familiares assegurarem meios de
reprodução socioeconômica. Além disso, seriam necessárias maiores pesquisas
quanto ao aspecto agronômico dos solos da região, estes notoriamente não
adequados a grandes plantações de grãos, por exemplo, mas nem por isso
inadequado a outras formas de agricultura. Com as constantes enchentes o solo é
empobrecido já que o húmus é
levado pelas águas. Numa região chuvosa como essa um sistema de drenagem é de extrema necessidade.
Ao lado disso, não se pode deixar de
lembrar que a pequena agricultura familiar no município tem de fato na produção
de subsistência um dos seus pontos fortes, não por ser intrinsecamente avessa
às culturas de mercado, mas sim por ter dificuldades de acesso a esse mercado,
seja por insuficiência de recursos - meios de produção e financiamento das
atividades produtivas, conhecimentos técnicos ou terras suficientes e adequadas
para desenvolver as culturas comerciais, seja por falta de meios de
comercialização, como escoamento e acesso a preços compensatórios.
Medidas impostas pela legislação
ambiental, que prevalecem nas áreas de proteção ambiental
(UCs) tiveram como alvo o controle das condições de ocupação do solo e do uso
dos recursos naturais. Com isso, as restrições ao uso do solo, aliadas às
poucas políticas de incentivo à produção
agrícola, acabaram desmotivando as práticas agrícolas de grande número de
pequenos agricultores familiares de Guaraqueçaba.
Desde os anos 60, os programas de
incentivos fiscais, particularmente o FISET - Fundos de Investimento Setoriais
(1974) atraíram para Guaraqueçaba os “neolatifundiários”, que chegaram a se
apropriar de 80% do território da região e utilizavam os recursos captados nos
programas federais para outros fins (MIGUEL, 1997).
Na planície, nas encostas de menor
altitude e nos terraços e vales aluviais, os novos latifúndios desenvolviam
principalmente a bubalinocultura. Nas encostas médias e mais elevadas,
realizavam o extrativismo, principalmente a exploração de madeira na forma de “exploração
seletiva” ou de “corte raso de vegetação”, de forma “[...] ilegal, corriqueiro
e predatório” (PARANÁ. SEPL, 1987, p. 4).
Nesse período iniciou-se a construção de
estradas para dar acesso ao município de Guaraqueçaba. Em 1970 a PR 405 foi
inaugurada. Os 80 km que ligaram Guaraqueçaba a Antonina foram construídos a
partir da “pressão” dos neolatifundiários que contavam com a abertura de
estradas para escoamento da produção e acesso às suas propriedades. A estrada mais
esperada era a BR 101 que atravessaria o litoral e ligaria Guaraqueçaba a São
Paulo (DOMINGUES, TEIXEIRA, 2002).
Juntamente com o esgotamento dos recursos
pesqueiros, essa conjuntura acelerou a delimitação de UC então reivindicadas
por ambientalistas paulistas e técnicos da SEMA federal que idealizaram a
proteção do Lagamar, complexo estuarino-lagunar que se estenderia de Iguape, no
litoral paulista, até Paranaguá, no litoral paranaense. Concomitantemente, o estado
do Paraná se volta para a regularização fundiária e para a proteção ambiental
do litoral, incrementando as ações do órgão responsável pelo meio ambiente
naquela região.
Apesar da preocupação com a agricultura
familiar no estado, o município de Guaraqueçaba, sem grande importância econômica
e política para o estado na década de 80, recebeu insuficientes e inadequadas
iniciativas de programas de desenvolvimento para a pequena agricultura, cuja
principal produção era a banana, mandioca e feijão (MIGUEL,1997; ROCHA, 2004).
Em 1980 foi instalado o escritório do
Instituto de Terras e Cartografia em Guaraqueçaba (ITC), órgão com atribuições
ambientais do estado, é o que se pode referir ao início da proteção ambiental.
Órgão originariamente voltado à regulamentação da ocupação de terras no estado,
o ITC acrescentou em suas atribuições o controle exploração dos recursos naturais,
principalmente os recursos florestais. Em 1985 se torna o Instituto de Terras, Cartografia
e Floresta (ITCF) (IAP, 2002).
Paralelamente, as primeiras ações de
controle do ITC/ITCF, a SEMA procurava, a partir de 1982, realizar as ações
necessárias (formação de grupo interinstitucional, zoneamento, construção da
sede...) para a implantação de suas UC: A Estação Ecológica de Guaraqueçaba,
criada em 1982 e a APA de Guaraqueçaba, criada em 1985.
Enquanto as modificações ocorriam no
estado, Guaraqueçaba mantinha seus problemas relacionados ao desenvolvimento
socioeconômico. Os raros programas voltados à pequena agricultura nos anos 90
praticamente não alcançaram Guaraqueçaba. Ainda que o município tenha recebido
o ICMS ecológico, isto não se reverteu em melhorias econômicas e sociais
significativas, ou por incapacidade gerencial dos administradores municipais,
ou por serem destinados a estratégias “desfocadas” das reais necessidades da
sociedade local (KARAM, TOLEDO, 1996; MIGUEL, 1997; ROCHA, 2004). Manteve-se a
desigualdade estrutural da sociedade rural local.
A partir de 1989, estudos e diagnósticos
sobre a agricultura em Guaraqueçaba mostram que a grande maioria dos
agricultores estava composta de pequenos agricultores que viviam em condições
precárias e apresentavam sérias dificuldades de reprodução do sistema produtivo
e do sistema familiar (RODRIGUES,
2002, p. 65).
Um desenvolvimento
sustentável para Guaraqueçaba: o resgate agrícola
Agroecologia: um caminho
As atividades agrícolas em Guaraqueçaba
foram, nos últimos anos, condenadas ao fracasso, alguns pesquisadores têm desconsiderado
a trajetória histórica da sociedade regional, além de subestimarem a
produtividade de suas principais lavouras e de desconsiderarem a importância
das lavouras de subsistência. Os poucos
resultados positivos em termos de melhoria de renda e qualidade de vida são restritos
a um número pequeno de agricultores.
Contudo
a situação da agricultura em Guaraqueçaba não é de todo desconhecida pelos
agentes que atuam no município. Por exemplo, no relatório do Zoneamento da APA
de Guaraqueçaba, realizado pelo IPARDES em 1996 e publicado em 2001, por
exemplo, sugeriu que se deveria desenvolver
na região pesquisas agrícolas dirigidas à definição de padrões tecnológicos
adequados, aceitáveis e normatizáveis, levando-se em conta as condições
ambientais e as possibilidades socioeconômicas e culturais da população
tradicional. Nas recomendações desse zoneamento para o incentivo a uma
agricultura sustentável na região estão os seguintes itens:
1- diversificação da produção
agrícola;
2- cultivos agrícolas que tenham
vantagens competitivas levando-se em conta as potencialidades da região na produção
agrícola de orgânicos, por exemplo;
3- fomento à produção agrícola dos
pequenos agricultores familiares com o
incentivo à renovação do estoque de
sementes e mudas, principalmente de culturas comerciais como a banana;
4 - utilização de máquinas para as
limpezas e práticas conservacionistas do solo;
5- incentivo às agroindústrias, a fim
de agregar valor aos produtos;
6- adequar a produção
da pecuária às especificidades da região, para evitar efeitos desastrosos ao
solo, como aconteceu na prática da bubalinocultura;
7 - disponibilizar técnicos rurais com
perfil adequado, para trabalhar na região;
8- estabelecer monitoramento das
atividades a fim de manter a qualidade das águas;
9 - desautorizar
projetos nas várzeas de rios denominados de “classe especial”;
10 - promover infra-estrutura para a
comercialização da produção local.
Apesar dessas
recomendações datarem da segunda metade da década de 1990, na prática o que se
nota, é a falta quase completa de iniciativas técnicas que visem a melhores
práticas agrícolas. Do ano 2000 para cá, qual evolução teve a agricultura em
Guaraqueçaba? Nenhuma. Então se pode diagnosticar que situação econômica da
comunidade local se agravou após as restrições impostas pelos novos tempos. A
presença das ONGs, dos órgãos estaduais e federais oprimem os nativos que
diante de tantos obstáculos que o cercam se veem completamente desmotivados. Mas como contornar este grave dilema: a
sobrevivência das famílias e preservação do seu habitat.
Agroecologia: um caminho
A agroecologia consiste em
uma proposta alternativa de agricultura familiar socialmente justa,
economicamente viável e ecologicamente sustentável. O termo pode ser entendido de diversas formas:
como ciência, como movimento e como prática. Nesse sentido, a
agroecologia não existe isoladamente, mas é uma ciência integradora que agrega
conhecimentos de outras ciências, além de agregar também saberes populares e
tradicionais provenientes das experiências de agricultores familiares de
comunidades indígenas e camponesas.
A abordagem agroecológica propõe mudanças
profundas nos sistemas e nas formas de produção. Na base dessa mudança está a filosofia de se produzir de acordo com as leis e as dinâmicas
que regem os ecossistemas – uma produção com e não contra a natureza. Propõe,
portanto, novas formas de apropriação dos recursos naturais que devem se materializar
em estratégias e tecnologias condizentes com a preservação.
As práticas
agroecológicas podem ser vistas como práticas de resistência da agricultura familiar,
perante o processo de exclusão no meio rural e de homogeneização das paisagens
de cultivo. Essas práticas se baseiam na pequena propriedade, na força de
trabalho familiar, em sistemas produtivos complexos e diversos, adaptados às
condições locais e ligados a redes regionais de produção e distribuição de
alimentos.
De acordo com Ivani Guterres, vivemos uma crise
conjuntural no atual sistema de desenvolvimento capitalista. Essa crise teria sido causada em
muito pelo modelo de exploração natural e social do agronegócio, ao impulsionar
a mercantilização da terra, as privatizações e a precarização das condições de trabalho no
campo. Para a pesquisadora, o resgate de saberes tradicionais e os avanços nos
estudos científicos na área da agricultura ecológica alternativa são
fundamentais para a construção de modelos de desenvolvimento mais sustentáveis:
"A crise que vivemos é uma crise
civilizatória e ambiental. O mundo todo está perguntando: onde está o 'novo',
que contenha um conjunto de valores, um novo pensamento, um conhecimento que
parece estar longe de nossas comunidades e assentamentos? Uma outra forma de
agir, produzir, viver, e não este do pensamento
cartesiano, mecanicista, do individualismo tecnológico (a parte
explica o todo), da consciência tecnocrática que nos levou à privatização, à
mercantilização e ao cientificismo? Com isso, queremos debater e questionar:
onde está o 'novo'? Que valores a agricultura camponesa tem? De onde está se
buscando elementos para a construção de uma estratégia de desenvolvimento
humano e sustentável? Urge o resgate de identidades locais, tradicionais e
culturais de saberes populares (identidade de classe), para que possamos
construir um desenvolvimento rural sustentável, contrapondo o avanço
convencional 'modernizador' que se impõe e coloca em risco o futuro do meio
ambiente e da população brasileira."
Diversas
redes, organizações não-governamentais e movimentos espalhados pelo Brasil
atuam no sentido de articular, organizar e formar agricultores familiares em
relação aos saberes e fazeres da agroecologia. Estes espaços de articulação com
a comunidade atuam de diversas formas: promovem oficinas de formação e prática agroecológica, bem como
intercâmbios entre as comunidades, pesquisam aspectos
geográficos, físicos e sociais das propriedades rurais, criam bancos de sementes nativas e crioulas e buscam com as experiências
realizadas nas comunidades trabalhar com processos autogestionáveis.
Mas por quê a região de Guaraqueçaba não tem sido
premiada com projetos agroecológicos que levem até as famílias guaraqueçabanas
a esperança de novamente produzirem, ainda que seja para a sua subsistência? Porque
não interessa às ONGs que lucram com as árvores, que representam créditos de
carbono nas bolsas para empresas multinacionais por elas representadas no Brasil. É o interesse do capital estrangeiro fazendo
vítimas também em Guaraqueçaba. Quanto mais desmotivado o caiçara, mais fácil
será comprar as suas terras e criar novas RPPNs. O Estado não tem procurado solucionar o problema e Guaraqueçaba paga um alto preço.
Segundo o IPARDES (2001,p 102),“[...] a agricultura na APA de Guaraqueçaba não tem se mostrado uma atividade promotora de desenvolvimento para a região e que, por outro lado, a agricultura familiar deve ser entendida como atividade suporte para outras ocupações e de sustentação de parte significativa da população local [...]”
Segundo o IPARDES (2001,p 102),“[...] a agricultura na APA de Guaraqueçaba não tem se mostrado uma atividade promotora de desenvolvimento para a região e que, por outro lado, a agricultura familiar deve ser entendida como atividade suporte para outras ocupações e de sustentação de parte significativa da população local [...]”
Mesmo que não se
possa apontar unicamente as restrições ambientais, como fator principal pelas
dificuldades enfrentadas pelos agricultores familiares do município este foi um
forte empecilho para a manutenção das práticas agrícolas até então praticadas.
Vanderlei Xavier
Tecnólogo em Gestão Ambiental da ONG Eco-Visão